terça-feira, 26 de novembro de 2013

A longevidade de certos povos: Abkhazia.




Abkhazia. Encyclopaedia Britannica.


          Em 1990, quando passei a ministrar os cursos de psicogeriatria em Belo Horizonte, um trabalho pioneiro no Brasil, traduzi este texto, publicado pela antropóloga norte-americana Sula Benet, sobre a vida dos velhos na Abkhasia, uma região montanhosa, encravada na República da Geórgia, então pertencente ao império da União Soviética. Este texto foi escrito pela grande especialista americana após uma de suas inumeráveis viagens àquele país, conhecido pela grande longevidade de sua população. Junto com os Hunzukuts, povo que vive nas montanhas do Tibet, próximo à fronteira entre Paquistão e Índia, e Los Viejos, povo que vive no Vale do Vilcabamba, nas montanhas dos Andes equatorianos, são os Abkhasianos um dos povos mais longevos do mundo. Existem muitas lendas sobre a origem de sua longevidade que têm percorrido o mundo na última metade do século XX e no século atual. Há muito mito e desinformação. Muito desse mito foi cultivado pelo regime vigente na União Soviética, que via, assim, uma forma de propaganda favorável ao seu regime. Pesquisadores e gerontólogos independentes de diversos países desenvolvidos estiveram no Cáucaso para estudar este fascinante povo das montanhas. Muitos mitos se desfizeram e a verdade veio à tona. Este artigo, escrito para o The New York Times, em 1971, portanto, em plena guerra fria, nos dá, entretanto, uma visão muito realista, humana e mais científica do que realmente ocorria e continua a ocorrer. Vale a pena dar uma conferida e ler este fascinante texto desta corajosa antropóloga. Uma lição de gerontologia e, mais, uma lição de vida e harmonia com a natureza. Uma lição para o mundo nos conturbados tempos atuais.



              Porque eles vivem até os 100 anos ou mais em ABKHASIA?


Sula Benet

                                              Reproduzido de: Reflections. A Merck Sharp & Dome Publication for the psychiatrist. Vol. VII. No. 5, 1972, pp. 25-33.


Não muito tempo atrás, na Vila de Tamish, na república Soviética de ABKHASIA, eu levantei meu copo de vinho para brindar um homem que não parecia ter mais de 70 anos. "Possa o senhor viver tanto quanto Moisés (120 anos)," eu falei. Ele não ficou muito satisfeito. Ele tinha 119.

Por séculos, os Abkhasianos e outros povos Caucasianos têm sido mencionados nas crônicas dos viajantes, surpresos com sua longevidade e boa saúde. Mesmo agora, ocasionalmente, jor­nais fazem reportagens nos Estados Unidos e em outros lugares (Nunca escondendo completamente certo ceticismo). Falam de Abkhasianos que reivindicam ter 120, algumas vezes 130 anos. Quando eu voltei de Abkhasia para Nova Iorque, mostrando foto­grafias e estatísticas, insistindo que tais estórias são reais, e também preocupada com o por que, meus amigos america­nos invariavelmente respondiam com outra pergunta zombeteira, que continha sua própria resposta: " Iogurte?". De fato, não propriamente iogurte, mas os Abkhasianos bebem uma grande quantidade de creme de leite especial.

Abkhasia é uma terra dura - Os Abkhasianos, expressam mais orgulho que ressentimento sobre isto, dizem que é um "re­pensamento" de Deus - Mas um muito bonito; se os Abkhasianos estão corretos sobre sua origem mística, Deus teve um segundo pensamento muito bom. Abkhasia é subtropical, acompanhando em sua costa o Mar Negro, de relevo alpino se alguém viaja do mar diretamente para trás, através de populosas terras baixas e vales, para a principal fileira das montanhas Caucasianas.
Os Abkhasianos tem estado por lá, há pelo menos 1.000 anos. Por séculos eles foram boiadeiros numa terra infértil, más agora seus vales e contrafortes estão plantados com chá e tabaco, e eles retiram sua subsistência largamente da agricul­tura. São 100.000 Abkhasianos, o que não é a quinta parte da população total da autônoma República Abkhasiana, que é, admi­nistrativamente, parte da Geórgia, local de nascimento de Jo­seph Stalin; o resto da população é composta de Russos, Gregos e Georgianos. De qualquer modo, a maioria das pessoas do Go­verno são Abkhasianas, e ambos, a língua oficial e o estilo de vida através da Região, são Abkhasianos. A cidade de Sukhumi é a sede do Governo e a porta de chegada para navios carregados de turistas estrangeiros. Eles são frequentemente vistos pelas ruas da cidade, cuja população inclui relativamente poucos Abkhasianos. Mesmo aqueles que moram e trabalham na cidade tendem a considerar as vilas de suas famílias como realmente as suas casas. Nas vilas, 575 delas entre as montanhas e o mar, que atinge populações de algumas centenas a alguns milha­res, a maioria dos Abkhasianos vive e trabalha em fazendas coletivas.
A primeira vez que fui lá foi no verâo de 1.970 atenden­do a um convite da Academia de Ciências da USSR. Os Abkhasia­nos foram fascinantes; eu voltei no verão passado e voltarei outra vez no próximo ano. Foi enquanto entrevistava pessoas que haviam participado dos primeiros esforços na civilização, que eu tomei consciência de um número não usualmente grande de pessoas, que atingiam a idade de 80 a 119 anos de idade, e ainda faziam parte da vida coletiva que eles ajudaram a organizar.
Depois de passar meses com eles, eu ainda acho impossível julgar a idade dos mais velhos Abkhasianos. Sua aparência ge­ral não nos dá uma pista: Você sabe que ele é velho por causa de seus cabelos grisalhos e das linhas de suas faces, mas têm eles 70 ou 107? Eu tentei adivinhar "70" para todos os velhos que eu encontrei na Abkhasia, e na maioria das vezes eu estava errada.
É como se as mudanças fisicas e psicológicas que para nós evidencia processo de envelhecimento tinham, nos Abkhasianos, simplesmente parado num certo ponto. A maioria trabalha regu­larmente. Eles também foram abençoados com uma boa visão, e a maioria deles conserva os próprios dentes. A postura deles é incomumente ereta, mesmo em uma idade avançada, muitos andam mais de três quilômetros e meio por dia e nadam nas nascentes das montanhas. Eles aparentam saúde, e são pessoas bonitas. Os homens mostram-se fãs de enormes bigodes e são magros mas não frágeis. Existe um velho ditado que diz que quando o homem se deita de lado, sua cintura deve ser tão pequena que um cachor­ro possa passar por baixo dela. As mulheres têm cabelos escu­ros e também são esbeltas, de compleição clara e sorriso tími­do.

Não existe um número preciso para os idosos na Abkhasia, mas na vila de Dzhgerda, a qual eu visitei no verão passado, existiam 71 homens e 110 mulheres com idade entre 81 e 90 anos e 19 pessoas com mais de 91 - 15% da população da vila de 1.200 pessoas. E vale notar que esta extraordinária porcenta­gem não é o resultado de migração dos jovens: Os Abkhasianos, jovens e velhos, preferem estar onde estão, e raramente via­jam, muito menos migram. Em 1.954, o último ano em que cifras totais foram conseguidas, 2,58% dos Abkhasianos tinham mais de 90 anos. Comparando grosseiramente as cifras por toda a União Soviética e os Estados Unidos foi de 0,1% e 0.4% respectiva­mente.

Desde 1.932, que a longevidade dos Abkhasianos tem sido sistematicamente estudada em várias ocasiões por pesquisadores soviéticos e Abkhasianos e eu tive total acesso ao seus dados através do Instituto de Etnografia em Sukhumi. Estes estudos têm mostrado, em geral, que sinais de arterioesclerose, quando eles aparecem, foram encontrados em pessoas extremamente ve­lhas. Um pesquisador que examinou um grupo de Abkhasianos com mais de 90 anos, achou que aproximadamente 40% de homens e 30% de mulheres tinham visão boa o suficiente para ler e enfiar uma agulha sem óculos, e mais de 40% tinha uma audição razoa­velmente boa.

Nâo existe nenhum caso de doença mental ou câncer nestes 19 anos de estudo de 123 pessoas com mais de 100 anos.

Neste estudo que começou em 1.960 pelo Dr. G. M. Sichina­va do Instituto de Gerontologia em Sukhumi, os idosos mostra­ram extraordinária estabilidade psicológica e neurológica. A maioria deles tinha uma clara recordação do passado distante, mas uma recordação não tão boa para eventos mais recentes. Al­guns revertem este padrão, mas um grande número deles tem boa memória tanto para o passado distante quanto para eventos mais recentes.

Todos possuiam boa orientação espaço-temporal. Todos mos­traram um pensamento lógico e claro, e a maioria estimava de maneira correta suas capacidades físicas e mentais. Todos mos­traram muito interesse nos negócios de suas famílias, nos eventos sociais e coletivos de suas comunidades. Todos eram ágeis, bem arrumados e limpos.

Os Abkhasianos são raramente hospitalizados, exceto por desinterias e nascimentos. De acordo com os médicos que obser­varam seus trabalhos, eles são especialistas em tratar braços e pernas quebradas. Os séculos de equitação de­ram a eles as duas coisas: necessidade e prática.

A visão dos Abkhasianos do processo de envelhecimento é clara a partir do seu próprio vocabulário. Eles não têm uma frase para "Pessoa velha"; os indivíduos acima de 100 anos são chamados de "Longevos". A morte, na visão dos Abkhasianos, não é o fim lógico da vida, mas algo irracional. Os idosos parecem perder forças gradualmente, "Murcham" em tamanho e finalmente morrem; quando isto acontece os Abkhasianos mostram seu pesar furiosa­mente, até mesmo violentamente.

Para o restante do mundo descrença é a resposta à morte, não para os Abkhasianos, que se preocupam apenas com o quanto eles vivem. Breve­mente não vai mais haver questões a respeito de sua longevida­de.

Todos os pesquisadores médicos tomam bastante cuidado na verificação das informações que recebem nas entrevistas. Al­guns dos homens estudaram e serviram ao exército e os prontuá­rios militares invariavelmente confirmam suas próprias contas. Muita documentação está incompleta simplesmente porque os Abkhasia­nos não tinham uma linguagem escrita funcional até depois da revolução Russa.

Mas porque eles vivem tanto? Ausência de uma história es­crita, e o período relativamente recente no qual estudos médi­cos e antropológicos estão sendo feitos, impedem uma resposta clara.

A seleção genética é uma possibilidade óbvia. Constantes combates corpo a corpo durante muitos séculos da existência Abkhasiana pode ter eliminado a má visão, a obesidade e outros defeitos físicos, produzindo Abkhasianos mais saudáveis a cada nova geração. Mas falta documentação para comprovar para tal processo evolu­tivo.

Quando perguntei aos próprios Abkhasianos a respeito de sua longevidade, eles disseram-me que vivem tanto por causa de suas maneiras de fazer sexo, trabalhar e comer.

Os Abkhasianos, porque esperam viver muito e com saúde, sabem que é necessário ter elevada disciplina para conservar suas energias, inclusive a energia sexual, ao invés de agarrar tudo que lhes parece doce e disponível no momento. Eles dizem ser a norma que sua vida sexual regular não se inicie antes dos 30 anos para o homem, a idade tradicional do casamento. Era, há al­gum tempo, considerado indigno do homem um marido recém-casado exercer seus direitos sexuais na noite de núpcias. Caso sejam indagados sobre o que é feito para providenciar gratificações que substituam uma necessidade sexual normal antes do casamento, os Abkhasianos sorriem e dizem: "Nada", mas pode-se especular, que eles, como todo mundo, achem substitutos para a sa­tisfação de um sexo saudável e heterossexual. Hoje em dia, al­guns jovens casam-se em torno dos 20 anos em vez de esperar pela idade própria de 30 anos, para consternação dos mais idosos.

Postergar a satisfação pode ser motivo de sorrisos, mas também é a expectativa de um prolongado prazer futuro, talvez até com mais proveito. Uma equipe médica que investigou a vida se­xual dos Abkhasianos concluiu que muitos homens mantêm sua potência sexual além dos 70 anos, e 13,6% das mulheres conti­nuam a menstruar depois dos 55 anos.

Tarba Sit, 102, confiou-me que ele esperou até os 60 anos para se casar porque enquanto ele estava no exército "se divertira bastante". No momento atual, disse ele com alguma tristeza, "Eu tenho desejo por minha mulher, mas não tenho forças". Um de seus parentes teve nove filhos, sendo que seu filho caçula nasceu quando ele tinha 100 anos. Médicos obtiveram seu esperma quando ele tinha 119 anos, em 1.963, e ele ainda mantinha sua libido, bem como a potência sexual. A única ocasião em que a investigação médica achou discrepância nas ida­des, informada pelos Abkhasianos, foi quando alguns homens insistiram ser mais jovens do que realmente eram. Um deles disse ter 95 anos, mas sua filha tinha uma certidão de Batismo provando que ela tinha 81 anos, e outras informações indicavam que ele ti­nha realmente 108 anos. Quando foi confrontado com este dado ele ficou bravo e recusou-se a discuti-lo, pois estava para se casar. Makhti Tarkil, 104 anos, com quem eu falei na vila de Duripsh, disse que a explicação era óbvia tendo em vista um impedimento para o casamento:

"Um homem é um homem até os 100 anos, você sabe ao que me refiro. Depois disso, bem, ele começa a ficar velho".

A Cultura Abkhasiana, estipula um papel secundário e de­pendente para a mulher: Quando jovem, sua aparência é enfati­zada, e quando casa, seu trabalho como dona de casa é sua ta­refa principal. (Como em outros aspectos da vida Abkhasiana, o período que sucedeu a revolução trouxe novas chances e algumas mulheres agora trabalham em variadas profissôes; mas ainda o mais importante é manter a tradição, que ainda tem muita força entre este povo).

Na criação das moças, o maior cuidado é torna-las o mais bonitas possível, de acordo com os parâmetros Abkhasianos. Para afinar a cintura e manter o busto pequeno, elas usam um espartilho em volta de suas cinturas e peitos; o colete é removido definitivamente no dia de sua noite de núpcias.

Sua compleição deve ser esbelta, suas sobrancelhas finas; e porque têm uma testa grande é desejável que seus cabelos sobre as so­brancelhas sejam raspados, e para impedi-los de crescer usa-se emplastos de ervas. Elas devem também ser boas dançarinas.

Virgindade é um requisito extremamente importante para o casamento. Se for provado que a mulher não é mais virgem o noivo tem o direito de levá-la de volta para a casa da família dela e pe­gar de volta os seus presentes de casamento. Ele sempre exer­cita este direito, devolvendo a noiva e anunciando para a fa­mília: "Peguem sua filha morta". E para ele, assim como para todos os homens disponíveis, ela está morta. Na sociedade Abkhasiana, ela fica tão desonrada com tal rejeição que se torna praticamente impossível conseguir um homem para se casar com ela. (Mais tarde, ela pode se casar com um viúvo mais velho ou algum outro homem menos desejável de uma vila distante). Quando é descoberto que a moça não é mais virgem, espera-se que ela nomeie o culpado. A moça usual­mente cita o nome de um homem que tenha morrido recentemente para evitar que sua família queira uma revanche iniciando as­sim uma rixa sangrenta. Para os Abkhasianos casados e sol­teiros modéstia é algo imprescindível no seu comportamento, em todas as ocasiões. Existe entre eles um sentimento de grande desconforto e vergonha sobre qualquer tipo de manifestação se­xual pública, mesmo quando se trata de uma manifestação de afeto. Um ho­mem não deve tocar sua esposa, sentar perto dela, ou mesmo, conversar com ela na presença de pessoas estranhas. As axilas da mulher são consideradas zonas erógenas e nunca ficam expos­tas, exceto para seu marido. A mulher é uma estranha na casa da família do marido, sua presença sempre acarreta uma ameaça de que a lealdade de seu marido pela sua familia possa ser comprometida por sua paixão por ela. Na tradição Abkhasiana, uma mulher não pode nunca mudar seu vestido nem se banhar na presença de sua sogra, e quando o
casal Abkhasiano está sozinho no seu quarto, eles mantêm a voz baixa para que a mãe de seu marido não os escute.

Apesar dessas regras rigorosas, ou porque talvez elas sejam universalmente aceitas, sexo na Abkhasia é considerado uma coisa muito boa e prazeirosa quando estritamente privado. É feito também totalmente sem culpa, não é reprimido ou sublimado, substituído pela paixão pelo trabalho, arte ou misticismo religioso. Não existe mal que deva ser retirado do pensamento. É um prazer que deve ser regulado para o bem da própria saúde, como um bom vinho.
Um Abkhasiano nunca é "Aposentado", um status desconhe­cido no pensamento desse povo. Desde o começo de sua vida até seu fim, o abkhaziano faz o que é capaz de fazer porque ele e os que es­tão à sua volta, consideram o trabalho vital. Ele tem suas próprias necessidades, e tal demanda vai diminuindo com a idade, mas o seu status na comunidade, apesar disso, não aumenta.

Nos nove anos de estudo dos idosos Abkhasianos, Dr. Sichinava fez uma observação detalhada de seus hábitos de trabalho. Entre eles havia um grupo que incluiu 82 homens, a maioria deles trabalhava como camponeses desde os 11 anos e 45 mulheres que, desde        a adolescência, trabalhavam em   casa  e ajudavam       a      tomar conta dos animais da fazenda. Sichinava observou que a carga de trabalho diminuiu consideravelmente entre as idades de 80 e 90 anos para 48 homens, e entre 90 e 100 para o resto. Entre as mulheres, 27 passaram a trabalhar menos entre 80 e 90 anos, e as outras diminuiram o trabalho depois de 90 anos. Alguns homens, pastores, param de seguir a manada que sobe a montanha e as campinas na primavera, e começaram a tomar conta das fazendas de criação de animais, depois dos 90 anos. Os fazendeiros começavam a trabalhar menos a terra, muitos paravam de arar a terra e de levantar cargas muito pesadas, mas continuavam capinando (apesar de ter de se abaixar), e fazem outros serviços. A maioria das mulheres paravam de ajudar no campo e algumas começavam a fazer menos trabalho doméstico. Em vez de servir à família inteira (uma familia Abkhasiana estende-se através de casamentos e pode incluir 50 ou mais pessoas), elas servem somente a si mesmas e às crianças; mas também alimentam as galinhas e fazem tricô.

Dr. Sichinava também observou 21 homens e 7 mulheres com mais de 100 anos e notou que, em média, eles trabalhavam 4 horas por dia na fazenda coletiva, os homens capinando e ajudando com o milho, as mulheres enfileirando folhas de tabaco. Sob o sistema coletivo, membros da comunidade são livres para trabalhar em seus próprios jardins, mas são pagos por cada trabalho que fazem para a coletividade.

O grupo de pessoas com mais de 100 anos, moradores da vila, observados pelo Dr. Sichinava, enquanto trabalhava para a coletividade, mantinha um horário que não chegava a 1/5 do horário do trabalhador jovem. Mas, mantinham seu próprio ritmo e trabalhavam mais calmamente, sem desperdício de movimentos, parando ocasionalmente para descansar. Em contraste, o trabalhador jovem trabalhava rapidamente, mas se mantinha mais tenso e competitivo. A competitividade no trabalho não é inerente à cultura Abkhasiana, mas é encorajada pelo governo soviético visando ao aumento da produção; retratos dos melhores trabalhadores são colocados nos escritórios das vilas coletivas. Ainda é muito cedo para dizer como esta mudança tão fundamental nos hábitos de trabalho afetará a longevidade Abkhasiana.

        Os persistentes Abkhasianos tem seus próprios heróis do trabalho: Kelkiliana        Khesa, uma mulher de 109 anos, na vila de Otapi, foi paga por 49 dias de trabalho (cada dia equivale a 8 horas) durante um verão; Bozba Pash, um homem de 94 anos da mesma comunidade, trabalhou 155 dias em um ano, Minosyan Grigorii de Aragich, sempre é lembrado como um exemplo para os jovens, trabalhou 230 dias em um ano com    90 anos de idade. (A maioria dos americanos, quando se contam as férias e feriados, trabalha entre 240 e 250 dias por ano, sendo que em alguns casos menos de oito horas por dia).

         Tanto os profissionais médicos quanto o povo Abkhasiano, concordam que tais hábitos de trabalho têm uma grande parcela de responsabilidade na sua longevidade.

Os médicos dizem que a maneira como os Abkhasianos trabalham ajuda a manter suas funções orgânicas em ótimo estado. Os Abkhasianos dizem que: "Sem descanso, um homem não pode trabalhar, sem trabalho, o descanso não fará nenhum bem."

Tal atitude, apesar de não ser passível de medidas, pode ser tão importante como o próprio trabalho. Faz parte de um padrão de vida consistente: Quando ainda crianças, fazem o que são capazes de fazer, progressivamente do mais fácil ao mais difícil, e, quando envelhecem, a curva desce, mas é sempre mantida. Os idosos nunca são vistos sentados em cadeiras por longos períodos, passivos como vegetais. Eles fazem o que podem, e enquanto alguns consideram o sistema coletivo de trabalho uma forma de exploração, esse sistema permite que eles funcionem em seus próprios ritmos.

Excesso de alimentação é considerado perigoso na Abkhasia, e pessoas gordas são tratadas como doentes. Quando os idosos vêm um jovem Abkhasiano, que esteja somente um pouco acima do peso, eles perguntam sobre sua saúde. "Um Abkhasiano não pode ficar gordo", dizem eles: "vocés podem imaginar a figura ridicula que farão montados em um cavalo?"  Mas para tristeza dos idosos, os jovens comem muito mais do que seus pais e avós; cavaleiros leves, musculosos e ágeis não são mais necessáros na linha de defesa.

A dieta Abkhasiana, como o resto de sua vida, é estável:  pesquisadores constataram que pessoas com cem anos ou mais comem a mesma comida através de toda sua vida. Mostram poucas preferencias idiossincráticas, e não mudam sua dieta de maneira significativa, quando melhoram seu status econômico. A proteína que ingerem é 23% mais baixa do que a do trabalhador industrial na Abkhasia, e consomem duas vezes mais vitamina C; os trabalhadores industriais têm um índice maior de insuficiência coronária e um nível maior de colesterol no sangue.

Os Abkhasianos comem sem pressa e com decoro. Quando recebem convidados, cada pessoa é brindada, com orgulho, por suas virtudes reais ou imaginárias. Tais refeições podem durar muitas horas, mas ninguém se importa, mesmo porque preferem suas refeições servidas mornas. A comida é cortada em pedaços pequenos, servida em pratos e comida com os dedos. Não importa a ocasião, os Abkhasianos pegam apenas pequenos pedaços de comida e mastigam-nos bem devagar, um hábito que estimula a produção de ptialina e maltase, assegurando uma digestão adequada dos carboidratos os quais formam a base da alimentação. E, tradicionalmente, não existe sobras na Abkhasia; mesmo o pobre dispõe das sobras dando para os animais, e ninguém sequer pensa em servir a uma visita uma comida requentada, mesmo que ela tenha sido feita há apenas         poucas horas.

Mas  alguns jovens,  talvez  influenciados     por costumes ocidentais, consideram tal prátic:a um desperdicio, mas a maioria dos Abkhasianos acha que uma comida feita há mais  de     um    dia    não é saudável. Os     Abkhasianos       comem relativamente pouca carne, talvez uma ou duas vezes por semana, e preferem frango, bife, cabrito e, no inverno, porco. Eles não gostam de peixe e, apesar de serem de fácil acesso, raramente o comem. A carne é sempre fresca e sangrenta e é grelhada ou cozida o minimo necessário para parar de sangrar ou, no caso do frango, até a carne ficar branca. Para os não Abkhasianos ela é dura, mas eles nâo tem problemas com isto.

Nas três refeições, os Abkhasianos comem "abista", uma comida feita com milho amassado e cozida em água sem sal, que toma o lugar do pão. "Abista" é ingerida morna com pedaços de queijo de cabra feito em casa. Eles comem queijo diariamente, e também consomem em média, dois copos de creme-de-leite por dia. Quando comem ovos, o que não é frequente, eles são cozidos ou fritos com pedaços de queijo.

Os outros gêneros de primeira necessidade na alimentação Abkhasiana incluem frutas frescas, especialmente uvas, vegetais frescos, que inclui cebolinhas, tomates, pepinos e repolho,      uma grande variedade de pickles, e "baby lima beans" (tipo de feijâo regional), cozido bem devagar por horas, amassado e servido com molho de cebolas, pimentas, alho, suco de romã e pimenta. Esta mistura quente, ou uma variação dela, é colocada na mesa em uma travessa separada para qualquer um que deseje. Grande quantidade de alho também está sempre à mão.

Apesar de serem os maiores fornecedores de tabaco para a União Soviética, poucos Abkhasianos fumam. Eu conheci uma fumante, uma mulher de mais de 100 anos, que fumava constantemente. Não bebem nem chá, nem café. Mas consomem um produto local, seco, vermelho como vinho de baixo teor alcoólico. Todos bebem, quase sempre em pequenas quantidades, no almoço e no jantar, e os Abkhasianos o chamam de "presente da vida". O açúcar encontra-se ausente de sua alimentação, embora o mel, produto local, seja usado. Dores de dentes são raras.


          
As autoridades médicas soviéticas que examinaram os Abkhasianos e sua alimentação, sentem que ela acrescenta anos em suas vidas: o creme-de-leite e os pickles, e, provavelmente, o vinho, ajudam  a destruir certas bactérias. Indiretamente, isso previniria o aparecimento de arteriosclerose, pensam alguns médicos. Em 1970, uma equipe de médicos soviéticos e o Dr. Samuel Rosen, de Nova York, um famoso cirurgião otorrino, comparou a audição dos Moscovitas e dos Abkhasianos, e concluíram que a alimentação Abkhasiana, pouca gordura saturada, grande quantidade de frutas e vegetais, também contribui para uma melhor audição. O molho "quente", o único item para o qual a maioria dos médicos diria nâo, é, aparentemente, evitado por alguns Abkhasianos.

Embora os Abkhasianos atribuam sua longevidade ao seu trabalho, hábitos alimentares e sexuais, existe outro aspecto de sua cultura que impressiona: o alto grau de integração em suas vidas, o sentido de identidade grupal que dá a cada individuo um sentimento inabalável de segurança pessoal e continuidade e permite aos Abkhasianos adaptarem-se e ainda preservarem-se contra as mudanças de condições impostas pela sociedade em expansão na qual vivem.

Este senso de continuidade em sua vida pessoal e nacional, é o que os antropólogos chamam de sua integração espacial e temporal.

Sua integração espacial baseia-se em sua estrutura familiar. Tal estrutura, literalmente, cerca a vida dos Abkhasianos: regula as relações entre famílias, determina onde eles moram, define a posição da mulher e as regras do casamento. Após séculos da inexistência ou insuficiência de uma autoridade centralizada, o parentesco era o quadro referencial, e continua sendo.

 Parentesco na Abkhasia é um elaborado e complexo conjunto de relações baseados na linhagem paterna. No centro está a família, que se estende através do casamento de seus filhos. Também se incluem todas aquelas famílias que podem ser rastreadas a partir de um único progenitor, e, finalmente, todas aquelas pessoas com o mesmo sobrenome, mesmo quando o progenitor não tenha sido identificado. Como resultado, um Abkhasiano pode ser "parente" de alguns milhares de pessoas, muitas das quais ele não conhece. Eu descobri a permissividade das regras de parentesco quando meu amigo Amar, um Abkhasiano que me acompanhou de Sukhumi para a vila de Duripsh, me apresentou a um grande número de pessoas as quais chamava de irmãos e irmãs. Quando conheci mais de 20 "irmãos" perguntei: "Quantos irmãos e irmãs você tem?" "Nesta vila, 30," ele respondeu. "A contagem Abkhasiana é diferente da russa. Estas pessoas levam o nome de meu pai".

Considerei sua explicação menos sério do que deveria.
Mais tarde, quando manifestei admiração por um disco de um poeta épico Abkhasiano que eu havia escutado na casa de um dos "irmãos" de Amar, este, sem uma palavra, deu-me o disco de presente. "Amar, ele não é seu", eu disse. "Oh é sim. Esta é a casa de meu irmão", ele disse. Quando perguntei para o "irmão", ele disse: "Claro que ele pode dar a você. Ele é meu irmão".

As relações consanguíneas e afins que formam a base da estrutura de parentesco são suplementadas por uma variedade de rituais nas relações, que envolvem obrigações para toda a vida e servem para construir o envolvimento humano do qual os Abkhasianos retiram seu extraordinário senso de segurança. De qualquer modo, não existe estilo alternativo de vida através do qual possam se rebelar; os Abkhasianos estão prontos para absorver outros na sua própria cultura. Durante minha visita, por exemplo, um homem cristão foi chamado para ser padrinho de uma criança maometana; todos dois eram Abkhasianos. Quando eu exprimi minha surpresa, foi dito a mim: "Não tem importância, nós queremos aumentar nosso circulo de parentes."

A integração temporal da vida Abkhasiana é expressa em sua continuidade geral, na ausência de limitações na definição de condições de vida, como por exemplo: "desempregado", "adolescente", "alienado". Os Abkhasianos são amantes da vida, pessoas otimistas, e muito diferentes de muitos idosos "dependentes" nos Estados Unidos, que se sentem um peso para sua família e até para si próprios, eles aproveitam a perspectiva da continuação da vida. Um Abkhasiano de 99 anos, Akhba Suleiman da vila de Achandara, disse a seu médico, "Ainda não é tempo de morrer. Eu sou necessário para os meus filhos, meus netos e este mundo não é tão ruim, a menos que eu não possa mais revolver a terra e esteja ficando difícil subir em árvores".

Os idosos são sempre ativos. "É melhor se movimentar sem nenhum propósito do que ficar parado", eles dizem. Antes do café da manhã, eles andam pelo pátio e pomar da propriedade       tomando    nota de pequenas coisas      que   lhes chamam a atenção. Eles observam cercas e equipamentos que precisam de reparos e checam os animais da família. No café­da-manhã, tendo completado seu estudo matinal, eles relatam o que deve ser feito.

Até a noitinha, o idoso passa o tempo alternando trabalho e repouso. Um homem pode pegar maçãs derrubadas pele vento, então senta-se em um banco, contando estórias ou fazendo brinquedos para seus netos ou bisnetos. Outra atividade, que é largamente praticada pelos idosos, é capinar o quintal, uma larga faixa verde pertencente à propriedade, a qual serve como um centro de atividades para o grupo de parentes. Conserva-la em forma requer considerável quantidade de trabalho, e ainda assim eu nunca vi um quintal que não estivesse bem arrumado e limpo.

Durante o verão, muitos homens idosos passam dois ou três meses no alto das montanhas, morando na cabana dos pastores, ajudando a pastorear ou caçando para si mesmos ou para os pastores. Apesar de seu processo de envelhecimento, muitos são excelentes atiradores, apesar da avançada idade.

Obviamente não estão amedrontados com a perda de sua autoridade, durante sua ausência; o tempo que passam nas montanhas é útil e prazeiroso.

A atitude extraordinária dos Abkhasianos, sentirem-se necessários aos 99 ou 110 anos, não é uma atitude artificial ou auto-protetora; ela é uma expressâo natural, na idade avançada, de um ponto de vista consistente que começa na infância.

A estóica educação de uma criança Abkasiana, na qual os pais e os parentes mais velhos participam, instiga respeito, obediência e resistência. Desde cedo, as crianças participam das tarefas da casa; quando não estão na escola, eles trabalham nos campos ou em casa.

Não existem "fatos da vida" separados para crianças e adultos: Os valores dados às crianças são os mesmos da vida do adulto, e não existe disparidades hipócritas (como em muitas outras sociedades) entre as palavras do adulto e o que fazem.

Desde que o que lhes é ensinado é considerado importante, e o trabalho que lhes é dado é considerado necessário, as crianças nâo são nem preguiçosas e nem rebeldes. A maneira como amadurecem é sem transições bruscas de uma fase da vida para a outra: uma noiva, por exemplo, ficará por um tempo com os parentes do marido, gradualmente se tornando parte do novo clã, antes de mudar para sua casa.

Desde o começo, não existe uma lacuna entre expectativa e experiência. Os Abkasianos esperam uma vida longa e útil antegozam a velhice com uma boa razão: numa cultura onde os altos valores são continuados e cultivados na tradição, os velhos são continuados e cultivados na tradição, os velhos são indispensáveis na sua transmissão. Os velhos presidem os cerimoniais nas ocasiões importantes, mediam disputas, e seus conhecimentos de agricultura são solicitados. Eles se sentem necessários porque, em suas próprias mentes e na de todos os outros, eles realmente o são. Eles são o oposto de fardo; eles são recursos altamente valiosos.

Os próprios Abkhasianos estão obviamente certos em citar seus hábitos alimentares e de trabalho como fatore contribuintes em sua longevidade; na minha opinião, o postergamento, e mais tarde, o prolongamento de sua vida sexual provavelmente não tem nada a ver com ela.

Seu clima é exemplar, o ar (especialmente para um Nova­iorquino) refrescante, sem ser significativamente diferente de outras áreas no mundo, onde a extensão da vida é mais curta. E enquanto algum tipo de seleção genética possa estar trabalhando, não existem informações suficientes para avaliar o fator genético na longevidade Abkhasiana.

Minha própria visão é que os Abkhasianos vivem tanto por causa dos extraordinários fatores culturais que estruturam sua existência: a uniformidade e a certeza de ambos os comportamentos, individual e grupal, o "continuum" inquebrável da continuidade das atividades da vida, os mesmos jogos, o mesmo trabalho, a mesma comida, as mesmas necessidades sociais e pessoais, e o crescente prestígio que vem com o aumento da idade.

Não existe melhor caminho para compreender a importância desses fatores culturais do que considerar, por um momento algumas características prevalentes da sociedade americana. São dadas às crianças tarefas para mante-las ocupadas, mas elas e seus pais sabem que não existe necessidade real no trabalho que realizam; mesmo como adultos, somente uma pequena percentagem de americanos têm o privilégio de sentir que seu trabalho é essencial e importante. Os velhos, quando não simplesmente vegetam, fora das vistas e fora das mentes, mantêm-se ocupadas com "bingo" e jogos de azar eletrônicos. Os americanos seriam versáteis, algumas vezes beneficamente, ao procurar por sinais de permanência, o que indicaria que suas vidas teriam algum sentido.

Será que os americanos podem aprender algo da visão Abkhasiana acerca de povos longevos? Penso que sim.

MEDICANDO-SE A SI MESMOS


Os Abkhasianos praticam uma medicina folclórica bastante elaborada usando mais de 200 plantas nativas para curar uma grande variedade de doenças. Eles aplicam folhas de plantas para cicatrizar ferimentos agudos, pegam ranúnculos para sarampo e rubéola, usam poligonáceas como anti-coagulante e asafetida (também conhecida como "Estrume do diabo") como anti-espasmódico. Quando tudo falha, um médico é chamado e o Abkhasiano idoso é levado para o hospital, mas sempre na expectativa, inclusive a sua própria de que ele irá se recuperar. Eles nunca expressam uma visão fatalista do tipo: "Bem, o que você espera nesta idade?" Doença simplesmente não é considerada normal e natural.


Para quem deseja conhecer belas paisagens da Abkhazia, assim como um pouco de sua história, cultura e hábitos alimentares, recomendamos visitar os links abaixo:


http://www.youtube.com/watch?v=cYGyyuxRPws


http://www.youtube.com/watch?v=WUlSubrJkAU#t=190


http://www.youtube.com/watch?v=DL8SHF6EHQw


4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Tenho um comentário a acrescentar; este creme de leite que a antropóloga viu eles tomarem em grande quantidade, na verdade é um probiótico, pouco conhecido no ocidente, que é o Kefir, mantido em segredo por seculos em toda a região do cáucaso, veio a ser descoberto a menos de 80 anos, reúne dezenas de fungos e bactérias do bem, que vivem e se proliferam na lactose do leite, produzindo uma bebida que age sobre dezenas de processos inflamatórios do organismo, aumentando imunidade e a produção de substancias de defesa do corpo, este probiótico é tão fantástico, que a ciência ainda não conseguiu identificar sua origem, seus mecanismos de reprodução e porque interage tão bem no sistema imunológico das pessoas a partir da sua ação no intestino.

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  3. Tenho um comentário a acrescentar; este creme de leite que a antropóloga viu eles tomarem em grande quantidade, na verdade é um probiótico, pouco conhecido no ocidente, que é o Kefir, mantido em segredo por seculos em toda a região do cáucaso, veio a ser descoberto a menos de 80 anos, reúne dezenas de fungos e bactérias do bem, que vivem e se proliferam na lactose do leite, produzindo uma bebida que age sobre dezenas de processos inflamatórios do organismo, aumentando imunidade e a produção de substancias de defesa do corpo, este probiótico é tão fantástico, que a ciência ainda não conseguiu identificar sua origem, seus mecanismos de reprodução e porque interage tão bem no sistema imunológico das pessoas a partir da sua ação no intestino.

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