terça-feira, 11 de agosto de 2015

Delírio de ilusão de sósias (Síndrome de Capgras)



A síndrome de Capgras é um quadro neuropsiquiátrico pouco freqüente no qual o paciente passa a acreditar que um familiar muito próximo (geralmente o cônjuge) torna-se um impostor, um duplo, apesar de reconhecê-lo pela familiaridade da aparência e da conduta.



Pode ser considerado um quadro delirante, no qual a memória está envolvida. Em função do delírio, o “impostor” ou “duplo” apresenta um caráter persecutório. O cônjuge ou um filho podem ser objeto de um reconhecimento parcial (“ele se parece com...”) que, entretanto, se torna insuficiente para uma real identificação. Posteriormente, se descobriu que o delírio não estava restrito apenas aos familiares íntimos, podendo se estender aos amigos, ao próprio paciente ao se ver no espelho e até objetos inanimados, como uma cadeira, um livro, etc.



Na literatura anglo-saxã é conhecida como delusional misidentification syndrome (DMS), termo no qual alguns autores também incluem os demais delírios de identidade.

Esta síndrome também é conhecida como delírio de Capgras, ilusão de Capgras, paranóia de Capgras ou delírio de ilusão de sósias. Foi descrita pela primeira vez por Jean Marie Joseph Capgras e Jean Reboul-Lachaux, em 1923, num caso de psicose paranóide crônica. Publicaram um relato sobre ela no boletim da Sociedade Clínica de Medicina Mental, na França. Desde então, a patologia recebeu o nome do primeiro autor, deixando injustamente o segundo sem ser citado. Posteriormente, como veremos a seguir, outras síndromes delirantes assemelhadas, foram descritas.




 Capgras é uma forma especial de reduplicação, na qual o paciente declara que o outro, não reconhecido como o parente, foi substituído por alguém parecido com ele, isto é, um sósia. Pode ocorrer o fenômeno de diversos sósias. Os pacientes podem continuar convivendo com o “impostor” ou “duplo”, apesar de sua constante suspeição.




Até algum tempo atrás esta síndrome era considerada rara, mas ultimamente têm sido descritos cada vez mais casos, modificando o perfil da prevalência. Na maioria das vezes, ela acomete mulheres, acima de 40 anos, mas têm sido descritos casos até em crianças de 12 anos. O quadro surge no contexto da neuropsiquiatria em estados depressivos e na esquizofrenia, notadamente na forma paranoide. Mas tem sido frequentemente relatado em quadros neurológicos como: demência, traumatismo crânio-encefálico, acidentes vasculares, que atingem principalmente o hemisfério direito, região preponderante para o reconhecimento dos rostos. Foi também observada em quadros da doença de Parkinson (mais raros), sofrimentos metabólicos, encefalopatia hepática, hipotireoidismo, e até após exames como mielografia por metrizamida (Gil, 2002). Também tem sido levantada a questão etiológica ligada a fatores psicogênicos, notadamente quando o paciente na sua infância sofreu abusos e maus tratos por parte dos seus pais. As duas etiologias não são incompatíveis, tanto a orgânica quanto a psicogênica, e uma não exclui a outra.




Várias teorias têm sido ventiladas sobre a etiopatogenia deste quadro que apresentamos a seguir. Alexander observou a síndrome em portador de hematoma subdural frontal direito. Ardila e Rosselli observaram o quadro em uma cisticercose no lobo temporal esquerdo. Nishida e colaboradores, em 1996, levantaram a hipótese de que as síndromes de má-identificação teriam uma correlação com o desenvolvimento identificatório na infância. Hisrtein e Ramachandran, em 1997, apresentaram sua hipótese de uma desconexão entre as áreas de processamento da face no lobo temporal para o sistema límbico, baseados em um caso por eles estudado. Edelstyn e Oyebode, em 1999, em estudo de metanálise, verificaram que as causas orgânicas estavam na base de 25 a 40% dos casos. Estes mesmos autores, em 2001, avaliaram um caso do transtorno em paciente, que não conseguia reconhecer as faces de seus familiares, com comprometimento cognitivo de origem vascular na substância branca do hemisfério subcortical direito nos lobos frontal e parietal. Forstl e colaboradores, em 1991, fizeram uma grande revisão entre 260 casos com diagnóstico de síndrome de má-identificação. Em seus resultados, na maior parte dos casos 127 eram esquizofrênicos paranóides, 29 com transtorno afetivo e 46 com transtorno mental orgânico. Destes, existiam, com maior freqüência, traumatizados cerebrais e com infarto cerebral. Daí terem concluído que a síndrome pode ser uma manifestação de qualquer psicose orgânica ou funcional e o tratamento desses casos não pode deixar de ser considerado. Thompson e Swan, em 1993, observaram o aparecimento do quadro em um usuário pesado de bebidas alcoólicas. Esse paciente apresentou extrema violência contra seus familiares que se tornaram o alvo de sua má-identificação delirante. Em sua conclusão, o álcool pode ser um fator precipitante para a violência nesses pacientes. Casu e colaboradores, em 1994, relataram um caso de homicídio durante a síndrome.




Na clínica, o que mais pode confundir o examinador é distinguir entre a síndrome de Capgras com a prosopagnosia. Esta última, que ocorre preponderantemente em quadros com lesão cerebral, em particular na demência de Alzheimer, se caracteriza pela incapacidade do paciente de se reconhecer frente ao espelho. Ele se vê e não se reconhece. Após algum tempo, ele pode chegar a se identificar devido a alguns detalhes emocionais, como o tom de voz ou algum estímulo afetivo que venha da imagem vista, já que ele não se encontra cognitivamente (semanticamente) em condições de analisar os dados da imagem e processá-la corretamente. Ao final deste tema, apresentaremos algumas teorias cognitivas acerca do reconhecimento de rostos.




O tratamento farmacológico desses quadros segue os parâmetros básicos dos tratamentos para quadros delirantes crônicos ou esquizofrenia. O uso de antipsicóticos atípicos tem mostrado excelentes resultados. Há relatos de que a olanzapina, na dose de 5mg ao dia, produziu total recuperação em um paciente que havia tido traumatismo crânio-encefálico.

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Para saber mais:

CAPGRAS, J. & REBOUL-LACHAUX, J. (1923). Illusion des sosies dans un délire systématisé chronique. Bulletin de la Société Clinique de Médicine Mentale. 2:6–16.
CHABROL, H.; BONNET, D. (1995) - Capgras syndrome in adolescence: a review a propos of one case. Encephale. 21 (6):477-80.
CORREA, A.C.O. Memória, Aprendizagem e Esquecimento. A memória através das neurociências. (2010). Rio de Janeiro. Editora Atheneu.
FORSTL, H.; ALMEIDA, O.P.; OWEN, A.M.; BURNS, A. & HOWARD, R. (1991). Psychiatric, neurological and medical aspects of misidentification syndromes: a review of 260 cases. Psychological Medicine. 21 (4): 905–910.
GIL, R. (2002). Neuropsicologia.  São Paulo. Livraria Santos Editora.

SOUZA, C.A.C. (2004). Estudo sobre a estranha Síndrome de Capgras. Disponível em: http://www.polbr.med.br/arquivo/artigo0704.htm. Acesso em 04/05/2009.




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